O uso da vírgula com os adjuntos adverbiais

O uso da vírgula com os adjuntos adverbiais

Que caminhos o revisor deve seguir?

O uso da vírgula é um tema que geralmente suscita dúvidas. E, quando o assunto é o emprego desse recurso de pontuação envolvendo a presença de adjuntos adverbiais, as dúvidas se tornam um verdadeiro empecilho à produção textual e, sobretudo, ao trabalho de revisão de texto, que muitas vezes abrange domínios discursivos mais rígidos em relação ao uso da norma padrão. Isso porque a Gramática Tradicional – GT não explica, pelo menos não de forma exaustiva ou definitiva, o uso da vírgula diante de adjuntos adverbiais. Aliás, conforme afirma Gustavo Fechus, “muitos dos problemas da linguagem escrita não têm o devido suporte na gramática tradicional (GT)”.[1]

Em face desse cenário de indefinições, o revisor, além de consultar as gramáticas, tem que seguir outros caminhos. Em primeiro lugar, ele deve ter um olhar mais atento às estruturas que envolvem expressões adverbiais. Uma vez assumida essa postura, deve ter consciência das diversas situações de uso de tais expressões. Saber que esse “termo acessório da oração”, assim chamado pela GT, possui diferentes formas de uso e diferentes implicações, inclusive de sentido, a depender do uso da vírgula e da posição dela dentro da oração. Em outras palavras, cada advérbio se comporta de maneira específica e, portanto, não está sujeito ao mesmo critério de pontuação.

Em função dessa variação de comportamento dos adjuntos adverbiais, Bechara (2009) os classifica como heterogêneos. Um exemplo que demonstra essa heterogeneidade é o advérbio “não”, que não está sujeito ao critério geral de uso da vírgula, o qual diz que é facultativo o uso desse sinal de pontuação em advérbios de pequeno corpo. Ora, como pode ser facultativo se a presença da vírgula, nesse caso (com o advérbio “não”), muda todo o sentido da frase?

Um dos fatores associados a essa distância entre a prescrição da GT e a prática textual envolvendo a vírgula diante dos adjuntos adverbiais é o fato de a GT atuar sobre a frase, em vez de considerar o texto (como unidade de sentido) em suas análises e em seus exemplos. Analisar as frases fora de seu contexto pode não ser eficaz, uma vez que muitos elementos coesivos e informações presentes no texto de origem, que contribuem para o sentido almejado pelo autor, podem estar “costurados” na frase extraída. É como se removêssemos uma parte de um tecido de crochê e quiséssemos compreender sua trama a partir de linhas soltas.

Esse problema se evidencia quando a GT prescreve o uso da vírgula para realçar os advérbios. Conforme afirmado por Cunha, “Quando os adjuntos adverbiais são de pequeno corpo (apenas um advérbio, por exemplo), costuma-se dispensar a vírgula. A vírgula é, porém, regra quando se pretende realçá-los”.[2] Definitivamente, não há como saber quais termos devem ser realçados em frases isoladas.

Diante do exposto, podemos observar que os adjuntos adverbiais não são tão previsíveis em relação ao uso da vírgula. Conforme bem demonstrado por Fechus, os adjuntos adverbiais geralmente funcionam como complementos (termos integrantes da oração), e não como adjuntos (termos acessórios da oração), podendo ser usados com a ideia de restrição ou surgir ligados a um verbo intransitivo (ou transitivo adverbial).[3] Dessa forma, tais expressões são indispensáveis ao entendimento do enunciado, o que vai de encontro às definições da maioria das gramáticas normativas.

Como vemos, muitas são as situações passíveis de dúvidas com que nos deparamos e para as quais geralmente não temos apoio suficiente nas gramáticas tradicionais. Um bom método para esclarecermos essas lacunas é analisarmos as formas de uso frequentes nas produções textuais que perseguem a norma culta padrão. Nesse sentido, podemos observar a análise realizado por Fechus, que, utilizando essa metodologia, constatou as seguintes regularidades:

 

  • Não se separam por vírgula os verbos transitivos adverbiais (ou intransitivos, segundo a GT) dos seus complementos adverbiais. Exemplo: Foi enviado à casa do João o livro que ele encomendou pela Internet.
  • Os adjuntos adverbiais (principalmente os de tempo e lugar) posicionados no início das frases quase sempre vêm separados por vírgula, embora a GT considere facultativo o emprego dessa vírgula. Exemplo: Em Brasília, faz frio, chove e faz sol, tudo no mesmo dia.
  • Em certas ocasiões, o adjunto adverbial não funciona apenas como termo acessório, e sim como elemento restritivo, dispensando, portanto, o uso da vírgula. Exemplo: Subdelego aos empregados discriminados na tabela abaixo a competência para exercerem a Gestão Operacional dos Contratos correlatos.[4]

Sobre essas afirmações, Fechus manifestou, ainda, estes entendimentos:

Entendemos que os adjuntos adverbiais à direita e sem vírgula trazem ao texto um dado novo, enquanto os adjuntos à direita e com vírgula não necessariamente exercem essa mesma função.

(…)

A presença ou a ausência da vírgula não diz respeito ao tamanho do adjunto adverbial (conforme ensina a GT e, particularmente, Celso Cunha), senão à necessidade de restringir e priorizar informações.[5]

Em face de todo o exposto, fica claro que o emprego da vírgula no que diz respeito aos adjuntos adverbiais e ao posicionamento destes nas frases seguem diversos critérios não contemplados na gramática normativa. Portanto o revisor de textos deve estar sempre atento às diversas situações e implicações de uso das expressões adverbiais dentro das orações. A fim de entender melhor tais estruturas, o revisor deve ampliar seus métodos de pesquisa, consultando variadas gramáticas, bem como analisando textos publicados no meio acadêmico (resenhas, artigos, monografias etc.) e nas demais fontes de pesquisa confiáveis.

[1] FECHUS, Gustavo. O emprego da vírgula com adjuntos adverbiais: prescrições e usos. Cadernos ESPUC, Belo horizonte, 2015. nº 26, p. 291.

[2]  CINTRA, Luís F. Lindley; CUNHA, Celso. Nova gramática do português contemporâneo. 7 ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2017, p. 660.

[3] FECHUS, Gustavo. O emprego da vírgula com adjuntos adverbiais: prescrições e usos. Cadernos ESPUC, Belo horizonte, 2015. nº 26, p. 294.

[4] FECHUS, Gustavo. O emprego da vírgula com adjuntos adverbiais: prescrições e usos. Cadernos ESPUC, Belo horizonte, 2015. nº 26, p. 299.

[5] FECHUS, Gustavo. O emprego da vírgula com adjuntos adverbiais: prescrições e usos. Cadernos ESPUC, Belo horizonte, 2015. nº 26, p. 300-301.

Raquel Machado Pivetta

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2 respostas

    1. Boa noite, Terezinha!
      Vou tentar elucidar essa questão de maneira bem prática. Veja bem: se não houvesse a vírgula após o termo “intrigado”, ele assumiria a função de adjunto adnominal (uma característica de Pedro), o qual nunca é separado do nome por vírgula. Exemplo: “O intrigado sujeito não para de olhar pro relógio”. Já no exemplo que você trouxe, o referido termo está mais para um adjunto adverbial — o qual requer a vírgula —, uma vez que se refere ao modo de estar de Pedro. Exemplo: “Apressado (estando apressado/com pressa), o homem saiu sem fechar a porta”.
      Espero ter esclarecido… E obrigada por compartilhar sua dúvida aqui no blog!

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