Adjunto Adnominal Vs. Complemento Nominal

Adjunto adnominal vs. complemento nominal
  1. INTRODUÇÃO

A distinção entre complemento nominal e adjunto adnominal geralmente suscita dúvidas, sobretudo nas construções sintáticas em que tais funções possuem configurações estruturais idênticas.

Nas conversas do grupo de que faço parte, composto de mais de cem revisores de diversos estados brasileiros, sendo a maioria graduada em Letras, tive a oportunidade de observar frequentes discussões sobre classificação de locuções adjetivas em determinadas construções sintáticas. Em uma dessas ocasiões, submeti a questão à análise da Academia Brasileira de Letras (ABL), que respondeu prontamente, afirmando que se tratava de adjunto adnominal. Ao compartilhar a resposta com o grupo, ainda houve quem se manifestasse desfavoravelmente ao posicionamento da ABL, o que intensificou o debate. Esse fato serviu para evidenciar como certas estruturas sintáticas são confusas, geram dúvidas e revelam a falta de consenso até entre estudantes e profissionais da área de Letras.

As gramáticas tradicionais, importantes instrumentos de apoio para o revisor de texto, geralmente não expõem, pelo menos de forma exaustiva ou definitiva, os critérios para se proceder à distinção entre essas funções sintáticas quando elas possuem estruturas semelhantes. Não bastasse a abordagem superficial, há ainda a diversidade de critérios entre os autores, que pode gerar conflitos para o revisor. É imprescindível, portanto, que esse profissional tenha um olhar crítico e investigativo sobre as teorias normativas, a fim de buscar subsídio e fundamentação para as suas intervenções textuais.

Com base nas gramáticas tradicionais, procurei desenvolver um estudo para esclarecer as frequentes questões acerca das funções sintáticas complemento nominal e adjunto adnominal, instigando a reflexão sobre o papel que essas gramáticas exercem como instrumentos de apoio ao trabalho do revisor de texto.

Tal estudo envolve a apresentação dos conceitos de adjunto adnominal e de complemento nominal sob o ponto de vista da tradição gramatical; a demonstração, por meio de análise qualitativa e comparativa, dos critérios de diferenciação dessas funções nas construções sintáticas mais complexas; e a demonstração da relevância do estudo desses aspectos sintáticos para o revisor de texto, de forma a instigar a reflexão sobre o papel das gramáticas tradicionais no trabalho de revisão.

  1. CONCEITOS DE ADJUNTO ADNOMINAL E DE COMPLEMENTO NOMINAL SEGUNDO A GRAMÁTICA TRADICIONAL (GT)

Para o estudo das funções sintáticas adjunto adnominal e complemento nominal, considerei pertinente lançar mão das teorias tradicionais. Nesse sentido, o presente artigo fundamenta-se nas seguintes obras: Nova gramática do português contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra (2017); Novíssima gramática da língua portuguesa, de Domingos Paschoal Cegalla (2010); Moderna gramática portuguesa, de Evanildo Bechara (2015); Gramática normativa da língua portuguesa, de Rocha Lima (2011); e, como parâmetro inicial de análise, o Novíssimo Aulete: dicionário contemporâneo da língua portuguesa, de Caldas Aulete (2011).

    1. Adjunto adnominal (AAdn)

Antes de adentrar nos estudos que envolvem o conceito de adjunto adnominal, há de se destacar que, nas categorias das funções sintáticas, é consensual entre os gramáticos tradicionais a classificação dessa função como termo acessório da oração.

Em termos conceituais, elege-se como parâmetro inicial desta análise a acepção gramatical de Caldas Aulete (2011, p. 46), segundo a qual adjunto adnominal é a “palavra ou expressão com função adjetiva, que especifica ou delimita o significado de um substantivo”. (grifo meu).

Em consonância com esse verbete, Cunha e Cintra (2017, p. 164) afirmam que: “Adjunto adnominal é o termo de valor adjetivo que serve para especificar ou delimitar o significado de um substantivo, qualquer que seja a função deste.”

Na mesma linha de entendimento, Cegalla (2010, p. 363) define adjunto adnominal como o termo que caracteriza ou determina os substantivos, o qual pode ser expresso pelos adjetivos, artigos, pronomes adjetivos, numerais e locuções ou expressões adjetivas que exprimem qualidade, posse, origem, fim ou outra especificação.

Para Evanildo Bechara (2015, p. 467), os adjuntos adnominais são determinantes que têm por missão acrescer ideia acidental complementar ao significado do substantivo nuclear, de forma a expandir tal expressão nominal, independentemente da função do seu núcleo.

Ainda sob essa mesma concepção, Rocha Lima (2011, p. 314) define o adjunto adnominal como termo de valor adjetivo que complementa o significado do núcleo substantivo com um dado novo.

Diante das definições apresentadas, fica evidente que não há divergências entre os autores quanto ao conceito de adjunto adnominal. Todos reafirmam o valor adjetivo inerente a tal função sintática. Suas definições variam apenas quanto aos termos (geralmente sinônimos) empregados para descrever a atuação do adjunto adnominal sobre o substantivo, quais sejam: “especificar”, “delimitar”, “complementar”, “caracterizar”, “determinar” e “acrescer”.

Ademais, é consenso que o adjunto adnominal pode ser expresso por adjetivos, locuções ou expressões adjetivas, artigos e pronomes ou numerais adjetivos.

No Quadro 1, relacionam-se as definições de adjunto adnominal conforme constam nas gramáticas tradicionais:

Quadro 1 – Definições de adjunto adnominal de acordo com a gramática tradicional

Nova gramática do português contemporâneo Cunha e Cintra (2017)

“ADJUNTO ADNOMINAL é o termo de valor adjetivo que serve para especificar ou delimitar o significado de um substantivo, qualquer que seja a função deste.”

Exemplos:

O homem já estava acamado

Dentro da noite sem cor.

Tinha uma memória de prodígio.

Era um homem de consciência.

Novíssima gramática da língua portuguesa Cegalla (2010)

“Adjunto adnominal é o termo que caracteriza ou determina os substantivos.”

Exemplo: Meu irmão veste roupas vistosas.

Moderna gramática portuguesa – Bechara (2015)

“Toda expressão nominal, qualquer que seja a função exercida pelo seu núcleo, pode ser expandida por determinantes que têm por missão acrescer ideia acidental complementar ao significado desse substantivo nuclear. O resultado dessa expansão é um grupo unitário sintagmático nominal.”

Exemplo: Passei belos dias em cidades agradáveis.

Gramática normativa da língua portuguesa – Rocha Lima (2011)

“Ao núcleo substantivo, qualquer que seja a função deste, pode juntar-se um termo de VALOR ADJETIVO, para acrescentar-lhe um dado novo à significação.”

Exemplos: Cavalo de raça; Meu bom amigo de infância; Um varão piedoso e de invulgar saber.

Fonte: elaborado pela autora, com base nas gramáticas citadas.

    1. Complemento nominal (CN)

Antes de abordar o estudo do conceito de complemento nominal, há de se destacar que, nas categorias das funções sintáticas, é consensual entre os gramaticistas tradicionais a classificação dessa função como termo integrante da oração.

Em termos conceituais, considera-se como parâmetro inicial para a presente análise a acepção gramatical de Caldas Aulete (2011) sobre complemento nominal:

Palavra ou expressão que complementa o sentido de um substantivo que deriva de um verbo, e que corresponde na frase com o verbo ao complemento deste. [Ex.: Da forma verbal Sabe dominar a bola tem-se a forma com substantivo Tem domínio de bola, na qual ‘de bola’ é o complemento nominal de ‘domínio’.] (CALDAS AULETE, 2011, p. 363).

Sob uma perspectiva mais abrangente do ponto de vista gramatical, Cunha e Cintra (2017) afirmam que complemento nominal é o termo que se liga, por meio de preposição, a substantivo, adjetivo ou advérbio para completar o sentido dessas palavras, que têm o complemento nominal como objeto.

Em consonância com o entendimento de Cunha e Cintra, Cegalla (2010, p. 354) afirma que: “Complemento nominal é o termo complementar reclamado pela significação transitiva, incompleta, de certos substantivos, adjetivos e advérbios.” O autor destaca que tal função vem sempre regida de preposição.

Em uma abordagem mais original, Bechara (2015, p. 470), sem propor definição exata para complemento nominal, explica-o do ponto de vista da gramática tradicional mais recente, classificando-o de acordo com os diversos sentidos em que se interpretam as expansões de substantivo, como em: a resolução do diretor (complemento nominal subjetivo), a prisão do criminoso pela polícia (complemento nominal subjetivo passivo), a remessa dos livros (complemento nominal objetivo), a resposta ao crítico (complemento nominal objetivo indireto), o assalto pelo batalhão (complemento nominal de agente ou de causa eficiente), ida a Petrópolis (complemento nominal circunstancial).

Sob uma acepção mais alinhada às definições de Cunha e Cintra e de Cegalla, Rocha Lima (2011, p. 296) define complemento nominal como “[…] termo que integra a significação transitiva do núcleo substantivo […]”. O autor explica que esse núcleo também pode ser adjetivo ou advérbio quando estes se equiparam a substantivo na sintaxe de regência.

Como é possível observar a partir das definições apresentadas, não há divergências entre os gramáticos sobre o conceito teórico de complemento nominal. É consensual, portanto, o entendimento de que este complementa, completa ou integra a significação transitiva do substantivo, do adjetivo ou do advérbio.

No entanto, faz-se ressalva em relação às classificações de Evanildo Bechara (2015), que inclui o complemento nominal subjetivo, e ao verbete de Caldas Aulete (2011), o qual torna sua definição restrita ao contemplar apenas os substantivos deverbais na condição de termos cujo sentido é complementado. Observem-se a seguir dois exemplos de complemento nominal apresentados por Cunha e Cintra (2017), em que: 1) o substantivo não deriva de verbo e 2) a palavra complementada sequer corresponde a um substantivo.

  1. Estou com vontade de suprimir este capítulo.
  1. Só Joana parecia alheia a toda essa atividade.

No Quadro 2, relacionam-se as definições de complemento nominal conforme constam nas gramáticas tradicionais.

Quadro 2 – Definições de complemento nominal segundo a gramática tradicional

Nova gramática do português contemporâneo Cunha e Cintra (2017)

“O COMPLEMENTO NOMINAL vem, como dissemos, ligados por preposição ao substantivo, ao adjetivo ou ao advérbio cujo sentido integra ou limita. A palavra que tem o seu sentido completado ou integrado encerra ‘uma ideia de relação e o complemento é o objeto desta relação’.”

Exemplos:

Tinha nojo de si mesma.

Comprei a consciência de que sou Homem de trocas com a natureza.

Novíssima gramática da língua portuguesa Cegalla (2010)

Complemento nominal é o termo complementar reclamado pela significação transitiva, incompleta, de certos substantivos, adjetivos e advérbios. Vem sempre regido de preposição.”

Exemplos:

A defesa da pátria.

G. Bell foi o inventor do telefone.

Teve raiva de si mesmo.

Insaciável de vingança.

Moderna gramática portuguesa – Bechara (2015)

“Uma tradição gramatical mais recente, atentando para o aspecto da realidade comunicada, e de certas relações gramaticais nela existentes, tem procurado distinguir os diversos sentidos em que se interpretam as expansões de substantivos […]”.

Exemplos:

a resolução do diretor (complemento nominal subjetivo)

a prisão do criminoso pela polícia (complemento nominal subjetivo passivo)

a remessa dos livros (complemento nominal objetivo)

a resposta ao crítico (complemento nominal indireto ou terminativo)

a assalto pelo batalhão (complemento de agente ou de causa eficiente)

a ida a Petrópolis (complemento nominal circunstancial)

Gramática normativa da língua portuguesa – Rocha Lima (2011)

Complemento nominal é o termo que integra a significação transitiva do núcleo substantivo (e, às vezes, do adjetivo e do advérbio, os quais, então, se equiparam ao substantivo na sintaxe de regência).”

Exemplos:

Com adjetivo:

confiante no futuro

desejoso de glória

tolerante com os amigos

Com advérbio:

Independentemente de minha vontade

Com substantivos transitivos:

– Abstratos de ação:

Inversão da ordem (cf. inverter a ordem – objeto direto);

invasão da cidade (cf. invadir a cidade – objeto direto);

A invenção da imprensa foi um grande acontecimento (cf. inventar a imprensa – objeto direto).

obediência aos pais (cf. obedecer aos pais – objeto indireto);

conversa com o pai (cf. conversar com o pai – objeto indireto).

ida a Roma (cf. ir a Roma – complemento circunstancial).

– Abstratos de qualidade, derivado de adjetivo transitivo:

certeza da vitória (cf. certo da vitória);

fidelidade aos amigos (cf. fiel aos amigos).

Fonte: elaborado pela autora, com base nas gramáticas citadas.

  1. COMPLEMENTO NOMINAL VS. ADJUNTO ADNOMINAL

Esta seção visa demonstrar e analisar, sob o ponto de vista da gramática tradicional, os critérios de diferenciação das funções complemento nominal e adjunto adnominal nas construções sintáticas mais complexas.

    1. Análise dos critérios de distinção adotados pela gramática tradicional (GT)

Cunha e Cintra (2017) tratam de adjunto adnominal e de complemento nominal em capítulos específicos, sem abordar a dificuldade de se proceder à distinção entre tais funções nas ocorrências de estruturas idênticas, formadas por locução adjetiva.

Uma dica dos autores, constante nas observações do tópico sobre complemento nominal, é ter presente que o nome cujo sentido é completado corresponde, em geral, a um verbo transitivo de radical semelhante, como acontece, por exemplo, na frase “ódio aos injustos” (da forma verbal “odiar os injustos”).

Embora relevante, tal observação envolve critério que não abrange todas as situações de configuração do complemento nominal. Em outras palavras, ter conhecimento da possibilidade de o complemento nominal integrar nome deverbal não garante sua correta identificação nas diversas situações em que ocorre. Como se pode verificar, o próprio autor, ao utilizar o termo “geralmente”, reconhece que nem sempre o complemento se origina de um verbo transitivo de mesmo radical.

Cegalla (2010, p. 355 e 364), por sua vez, para esclarecer a distinção entre complemento nominal e adjunto adnominal formado por locução adjetiva e minimizar a notável confusão entre essas funções, baseia-se na premissa de que o complemento nominal é o paciente, alvo da ação expressa por um nome transitivo, ao passo que o adjunto adnominal é agente da ação ou a origem, pertença, qualidade de algo ou de alguém.

Entretanto, esse critério sozinho não dá conta de todas as dúvidas que surgem em torno das construções sintáticas formadas por locução adjetiva. Em outras palavras, nem sempre identificar o termo como agente ou como paciente funciona para reconhecer o complemento nominal ou o adjunto adnominal, o que pode ser demonstrado pelos exemplos de Rocha Lima (2011, p. 298):

  1. A plantação de cana enriqueceu, outrora, a economia do país. (CN)
  1. Em poucas horas, o fogo destruiu toda a plantação de cana. (AAdn)

Ao se inferir, nos dois exemplos, que a cana é paciente (cana é plantada), pode-se incorrer no equívoco de julgar ambos os casos como complemento nominal.

Uma análise mais cuidadosa revela que apenas o primeiro exemplo apresenta complemento nominal. Da forma verbal “plantar cana enriqueceu…” tem-se a forma com substantivo “A plantação de cana enriqueceu…”, na qual ‘de cana’ é o complemento nominal de ‘plantação’, assim como “cana” é o complemento verbal de “plantar”.

No entanto, no segundo exemplo, “Em poucas horas, o fogo destruiu toda a plantação de cana”, ao se retornar o nome “plantação” à sua forma verbal para identificar o complemento nominal, compromete-se o sentido do texto (Em poucas horas, o fogo destruiu todo o plantar cana). Nesse exemplo, isso ocorre porque o substantivo não se estende para o objeto (complemento verbal) e, consequentemente, não se torna transitivo.

Além do fato de o critério agente-paciente não funcionar em determinadas construções, ressalta-se a divergência existente entre esse critério e a teoria proposta por Bechara (2015, p. 470), que, em vez de classificar o termo agente como adjunto adnominal, classifica-o como complemento nominal subjetivo, conforme exemplificado a seguir:

  1. A resolução do diretor (CN)

(O diretor resolveu – função subjetiva – agente)

  1. A descoberta da imprensa (CN)

(Alguém descobriu a imprensa ou a imprensa foi descoberta – função objetiva – paciente)

Focalizando mais os aspectos comuns do que os fatores relacionados à distinção entre essas duas funções, Bechara (2015) discorre sobre várias particularidades gramaticais em que o complemento nominal e o adjunto adnominal possuem os mesmos traços, como a posição à direita do núcleo (obrigatória no complemento nominal), a inexistência de pausa, a introdução por preposição (obrigatória no complemento nominal e muito frequente no adjunto adnominal).

Outro aspecto comum citado pelo autor é o fato de que qualquer variação tanto no núcleo do complemento nominal quanto no do adjunto adnominal não altera a relação com o núcleo verbal. Por exemplo, em “A casa do vizinho é espaçosa”, a alteração do adjunto adnominal para “dos vizinhos” não acarreta mudança no predicado (é espaçosa), assim como em “A resolução do diretor surpreendeu a todos”, a alteração do complemento nominal para “dos diretores” não acarreta mudança no predicado (surpreendeu a todos).

Por outro lado, a partir de uma perspectiva já não voltada para os aspectos comuns, Bechara (2015, p. 471) afirma: “Todavia, o complemento nominal está semanticamente mais coeso ao núcleo, por representar uma construção derivada mediante a nominalização, fenômeno que não ocorre no adjunto adnominal.” O autor acrescenta que essa relação semântico-sintática provoca a impossibilidade de “apagamento” do complemento nominal, mas ressalta que essa imprescindibilidade não é suficiente para distinguir o complemento do adjunto, uma vez que há adjuntos adnominais também indispensáveis.

Acontece que nem sempre o termo complementado é formado por nominalização, como em “Teve raiva de si mesmo” e em “Insaciável de vingança”. Além disso, às vezes ocorre de o mesmo termo originado de nominalização assumir a função de adjunto ou de complemento, a depender do sentido, como em “A redação das normas” (complemento nominal) e em “A redação do aluno” (adjunto adnominal).

Quanto à impossibilidade de “apagamento” mencionada por Bechara, há de se ressaltar que tal critério não é eficiente, pois, como o próprio autor adverte, existem adjuntos adnominais imprescindíveis. Por exemplo, na oração “Ela só toma café em copo de vidro, não gosta de copo descartável”, a retirada do adjunto adnominal “descartável” comprometeria o sentido do texto “Ela só toma café em copo de vidro, não gosta de copo”.

Além do processo de nominalização, Bechara (2015, p. 472) aponta outra possibilidade de formação do complemento nominal: a partir de substantivos que, em função do traço semântico, pede um argumento a ele inerente, independentemente de processo de nominalização. Trata-se dos substantivos relacionais (pai, tia, irmão, braço, rosto, face, amigo, colega, companheiro etc.) e dos substantivos icônicos (retrato, filme, quadro, fotografia etc.).

No entanto, o critério semântico pode levar à confusão entre complemento nominal e adjunto adnominal, em função da ideia de posse presente. Por exemplo, em “O pai de Eduardo”, observa-se, pelo critério semântico, que se trata de complemento nominal, uma vez que o substantivo pai expressa relação entre indivíduos, assim como os termos de parentesco tia, irmão etc.; por outro lado, construções desse tipo passam a ideia de posse, o que implica, segundo a maior parte das gramáticas pesquisadas, a classificação da expressão de Eduardo como adjunto adnominal.

Entre os gramáticos estudados, Rocha Lima (2011, p. 297) é o que mais dá atenção à dificuldade de distinção entre adjunto adnominal e complemento nominal. Sobre essa questão, o autor alerta para o cuidado que se deve ter nas construções com substantivo, casos em que tais funções, expressas por locução adjetiva, possuem a mesma estrutura: preposição + substantivo. Nesse sentido, o autor recomenda que se verifique a transitividade do substantivo: se intransitivo, não admitirá complemento, a locução adjetiva será adjunto adnominal, como na frase “copo de vinho”; se transitivo, a locução adjetiva será complemento nominal, como em “invasão da cidade”.

Quanto à transitividade do substantivo, o autor esclarece que há duas situações possíveis:

  1. substantivo abstrato de ação correspondente a verbo que exige objeto ou complemento circunstancial, como em “ida a Roma” – conforme ir a Roma.
  2. substantivo abstrato de qualidade, derivado de adjetivo transitivo, como em “certeza da vitória” – conforme certo da vitória.

No entanto, identificar se o nome é transitivo ou intransitivo não é um procedimento trivial. Por exemplo, na frase “Semifinalista do concurso”, o substantivo “semifinalista” não seria, em princípio, transitivo (semifinalista de algo)? Além disso, não se poderia afirmar que possui relação com o verbo transitivo “finalizar”?

Ao se fazer analogia com a frase “Finalista do concurso”, deduz-se que finalista seja nome transitivo, o qual se origina do verbo finalizar. Deve-se ter cuidado ao tentar identificar a transitividade. O fato é que, nesse exemplo, “do concurso” não é alvo da ação, como seria, por exemplo, em “Conclusão do concurso” (da forma verbal “concluir o concurso”) o que implica afirmar que “semifinalista” não se estende para o objeto e, portanto, não é transitivo. Assim, na frase “Semifinalista do concurso”, tem-se substantivo + locução adjetiva indicando pertença (o concurso possui um semifinalista).

Preocupado com a complexidade que envolve o conceito de transitividade e intransitividade, Rocha Lima (2011, p. 298) aprofunda-se nesse assunto, demonstrando a existência de mais uma variável no processo de distinção entre complemento e adjunto, qual seja o emprego concreto ou abstrato do substantivo. O autor traz exemplos que apontam para a possibilidade de o substantivo abstrato de ação não exigir complemento nominal quando empregado como concreto. Em outras palavras, ele afirma que, ao se concretizarem, os substantivos se tornam intransitivos e, ao se “transbordarem” para um objeto, tornam-se transitivos. Retomando o exemplo acima, pode-se notar que o substantivo “semifinalista” não corresponde à forma original “semifinalizar o concurso”, ou seja, não se estende para o objeto.

Ainda sobre o emprego do substantivo, o autor acrescenta que tais nomes podem alternar-se entre concreto e abstrato, a depender do sentido em que são empregados. Por exemplo, na frase “A redação das leis requer clareza e precisão”, o substantivo “redação” é abstrato, uma vez que se relaciona ao ato de redigir. Já na frase “Na redação deste aluno, assinalei, a lápis vermelho, vários erros graves”, o substantivo “redação” passa a nome concreto em função do seu sentido (trabalho escolar escrito).

    1. Resultado da análise

A análise comparativa e qualitativa das teorias disponibilizadas pela gramática tradicional sobre as características e os critérios de distinção das funções adjunto adnominal e complemento nominal permitiu à autora deste artigo criar um passo a passo com as informações compiladas e hierarquizadas. Tal roteiro poderá auxiliar no processo de diferenciação dessas funções, conforme mostra o Quadro 3.

Quadro 3 – Consolidação dos critérios de diferenciação

Item

Característica do AA

Característica do CN

Critério Associado

1

Não é necessariamente precedido por preposição.

É precedido por preposição. Se o termo se apresentar sem preposição, ocorrerá o AAdn.

Exemplo:

Foi uma estratégia inteligente.

Se o termo estiver preposicionado (locução adjetiva), prosseguir na análise.

2

Acompanha substantivo. Acompanha substantivo, adjetivo ou advérbio. Se a palavra complementada for adjetivo ou advérbio, ocorrerá o CN.

Exemplo:

Ele foi o responsável pelo acidente.

Agiu desfavoravelmente à política atual.

Se a palavra complementada for substantivo, prosseguir na análise.

3

Ocorre com substantivo concreto ou com substantivo abstrato empregado como concreto e, portanto, intransitivo;

Pode ser o agente da ação ou a origem, pertença/posse, qualidade, fim ou outra especificação.

Ocorre com substantivo abstrato empregado como transitivo;

Pode ser o paciente da ação expressa por um nome transitivo, geralmente formado pelo processo de nominalização.

Se o substantivo for concreto ou abstrato empregado como concreto, ou se o termo preposicionado for o agente da ação ou a origem, pertença/posse, qualidade, fim ou outra especificação, ocorrerá o AAdn.

Exemplos:

histórias de arrepiar os cabelos (arrepiadoras): qualidade

livro do mestre, as mãos dele: posse pertença

água da fonte, filho de fazendeiros: origem

fio de aço, casa de madeira: matéria

casa de ensino, aulas de inglês: fim, especialidade

aviso do diretor: agente

Se o substantivo for transitivo e for empregado como abstrato ou formado por nominalização, ocorrerá o CN.

Exemplos:

a eleição do presidente

declaração de guerra

empréstimo de dinheiro

plantio de árvores

colheita de trigo

descoberta de petróleo

condenação da violência

medo de assaltos

remessa de cartas

compositor de músicas

amor ao próximo

perdão das injúrias

criação de impostos

recordação do passado

Ressalta-se que este artigo não esgota o estudo sobre os critérios de distinção entre as funções adjunto nominal e complemento nominal. O Quadro 3 apenas disponibiliza orientações de boas práticas, baseadas na combinação das teorias defendidas pela maioria dos gramáticos tradicionais, para facilitar a identificação dessas funções sintáticas.Fonte: elaborado pela autora, com base nas gramáticas citadas nas referências.

Com o intuito de aplicar essas orientações a reais situações linguísticas, foram extraídos trechos de notícias de jornais na Internet. O Quadro 4 demonstra tal aplicação.

Quadro 4 – Aplicação dos critérios consolidados

Trecho sob Análise

Aplicação dos Critérios

Resultado

[…] Perda de participação no mercado doméstico de combustível. – O termo sob análise é precedido por preposição? Sim (pela preposição “de”), então se trata de locução adjetiva.

Prosseguir na análise.

Obs.: Se não fosse precedido por preposição, já se classificaria como AAdn.

– Acompanha substantivo?

– Acompanha adjetivo ou advérbio?

Acompanha substantivo (perda).

Prosseguir na análise.

Obs.: Se acompanhasse adjetivo ou advérbio, já se classificaria como CN.

– Complementa substantivo abstrato empregado como transitivo, ou é paciente da ação expressa por um nome transitivo formado por nominalização?

– Complementa substantivo concreto ou abstrato empregado como concreto (intransitivo) ou é o agente da ação ou a origem, pertença/posse, qualidade, fim ou outra especificação?

Complementa substantivo abstrato transitivo (perda), o qual é paciente da ação expressa por um nome transitivo formado por nominalização (perder participação). Conclusão: CN.

Obs.: Se complementasse substantivo concreto ou abstrato empregado como concreto (intransitivo), ou se fosse o agente da ação ou a origem, pertença/posse, qualidade, fim ou outra especificação, seria o caso de AAdn.

Reencontro do Supremo com a opinião pública. – O termo sob análise é precedido por preposição? Sim, então se trata de locução adjetiva.

Prosseguir na análise.

Obs.: Se não fosse precedido por preposição, já se classificaria como AAdn.

– Acompanha substantivo?

– Acompanha adjetivo ou advérbio?

Acompanha substantivo (Reencontro).

Prosseguir na análise.

Obs.: Se acompanhasse adjetivo ou advérbio, já se classificaria como CN.

– Complementa substantivo abstrato empregado como transitivo, ou é paciente da ação expressa por um nome transitivo formado por nominalização?

– Complementa substantivo concreto ou abstrato empregado como concreto (intransitivo) ou é o agente da ação ou a origem, pertença/posse, qualidade, fim ou outra especificação?

Complementa nome abstrato que se concretiza, tornando-se intransitivo, já que ele não se estende para o objeto, é o agente da ação (O Supremo se reencontrou com a opinião pública).

Conclusão: AAdn.

Obs.: Se complementasse substantivo abstrato empregado como transitivo ou fosse paciente da ação expressa por um nome transitivo, seria o caso de CN.

Fonte: elaborado pela autora, com base nas gramáticas citadas nas referências.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme demonstrado neste artigo, a dificuldade de se proceder à distinção entre adjunto adnominal e complemento nominal surge em função de essas duas funções sintáticas possuírem, em determinadas construções, os mesmos traços gramaticais, como a posição à direita do núcleo, a presença de preposição e o fato de a alteração em seu núcleo não alterar a relação com o núcleo verbal. Esse cenário ocorre quando tais funções assumem esta estrutura: substantivo + locução adjetiva.

O estudo sobre a notável dificuldade de distinção dessas funções sintáticas demonstrou que as gramáticas tradicionais – por sua abordagem incompleta, superficial ou divergente – podem não cumprir seu importante papel de suporte ao trabalho de revisão de texto. De fato, verificou-se divergência na definição de alguns tipos de complemento nominal por um dos autores.

Por outro lado, observou-se que, em geral, os gramáticos concordam sobre as definições e características do adjunto e do complemento, e os critérios de distinção se sustentam justamente nessas características. O principal problema constatado é que a abordagem de cada gramática não esgota as possibilidades de ocorrência do complemento nominal e do adjunto adnominal, fornecendo, assim, critérios que podem ajudar a distinguir os dois termos, sem, no entanto, serem primordiais para distingui-los.

REFERÊNCIAS

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 38. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

CALDAS AULETE. Novíssimo Aulete: dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Lexikon, 2011.

CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. 48. ed. revista. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2010.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 7. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2017.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. 49. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.

Raquel Machado Pivetta

Veja também: E por falar em adjunto adnominal.

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