A Relevância da Gramática Tradicional e do Conhecimento de Sintaxe para o Revisor de Texto

Relevância da Gramática Tradicional e do Conhecimento de Sintaxe para o Revisor de Texto
  1. INTRODUÇÃO

As gramáticas tradicionais, importantes instrumentos de apoio para o revisor de texto, geralmente não expõem, pelo menos de forma exaustiva ou definitiva, os critérios para se proceder à distinção entre certas funções sintáticas quando elas possuem estruturas semelhantes, a exemplo das funções complemento nominal e adjunto adnominal. Não bastasse a abordagem superficial, há ainda a diversidade de critérios entre os autores, que pode gerar conflitos para o revisor. É imprescindível, portanto, que esse profissional tenha um olhar crítico e investigativo sobre as teorias normativas, a fim de buscar subsídio e fundamentação para as suas intervenções textuais.

O objetivo deste estudo é, portanto, instigar a reflexão sobre o papel que as gramáticas tradicionais exercem como instrumentos de apoio ao trabalho do revisor de texto.

 

  1. A RELEVÂNCIA DO CONHECIMENTO DE ASPECTOS SINTÁTICOS PARA O REVISOR DE TEXTO E O PAPEL DAS GRAMÁTICAS TRADICIONAIS COMO FERRAMENTA DE TRABALHO

A vida da língua está na sintaxe, nós só falamos construindo orações.

Evanildo Bechara (2008)

Não se pretende nesta seção supervalorizar a gramática normativa. Saber português não pressupõe saber gramática. O conhecimento da língua envolve o conhecimento dos fenômenos que a cercam e está relacionado à competência comunicativa, ou seja, ao desempenho eficiente e seguro de qualquer tarefa comunicativa oral ou escrita.

Sob uma perspectiva mais atual, focada na gramática descritiva das línguas e das variedades de cada língua, percebe-se que a gramática normativa representa a gramática descritiva de apenas uma das variedades da língua, que é a norma padrão, a qual se baseia, em geral, na língua escrita, desprezando a oralidade e outras variedades da língua. Assim, tal gramática focaliza o registro formal, que é importante não só para o trabalho do profissional de revisão de texto como para a ascensão sociocultural do indivíduo. A intenção aqui não é impor a norma culta às diversas situações linguísticas (oral: conversa entre amigos, discurso jurídico, diálogo entre cônjuges etc.; escrita: blog, carta comercial etc.), mas, sim, defender a utilização da língua de acordo com a circunstância.

Sobre o papel da gramática normativa, Joaquim Mattoso Câmara Jr. (2004, p. 14) afirma:

Vimos que a gramática greco-latina era normativa e se podia definir como “a arte de falar e escrever corretamente”. Será que essa gramática deve ser abandonada, como sustentam alguns linguistas, especialmente norte-americanos? […]

A resposta que parece certa é que há em tal atitude uma confusão entre duas disciplinas correlatas mas independentes.

A gramática descritiva, tal como a vimos encarando, faz parte da LINGUÍSTICA pura. Ora, como toda ciência pura e desinteressada, a LINGUÍSTICA tem a seu lado uma disciplina normativa, que faz parte do que podemos chamar a LINGUÍSTICA aplicada a um fim de comportamento social. Há assim, por exemplo, os preceitos práticos da higiene, que é independente da biologia. Ao lado da sociologia, há o direito, que prescreve regras de conduta nas relações entre os membros de uma sociedade.

O autor afirma que a língua deve ser ensinada na escola e esse ensino “tem de assentar necessariamente numa regulamentação imperativa.” (TONNELAT, 1927 apud CÂMARA JR., 2004, p. 14).

Assim, a gramática normativa tem o seu lugar e não se anula diante da gramática descritiva. Mas é um lugar à parte, imposto por injunções de ordem prática dentro da sociedade. É um erro profundamente perturbador misturar as duas disciplinas e, pior ainda, fazer LINGUÍSTICA sincrônica com preocupações normativas. (CÂMARA JR., 2004, p. 14).

Dessa forma, é importante contar com parâmetros seguros para a revisão textual, tais como os preceitos da gramática normativa, sem, no entanto, desconsiderar os conceitos modernos de linguística, os quais propiciam ao revisor pensar na língua como algo vivo, além de uma estrutura imposta pela gramática.

Conforme assevera Bagno (2007, p. 117):

A gramática tradicional tenta nos mostrar a língua como um pacote fechado, um embrulho pronto e acabado. Mas não é assim. A língua é viva, dinâmica, está em constante movimento – toda língua viva é uma língua em decomposição e em recomposição, em permanente transformação.

Diante desse cenário, o revisor deve ter maturidade ao utilizar a norma padrão vigente. Nesse sentido, vale ressaltar a afirmação de Bagno (2007, p. 9): “Temos de fazer um grande esforço para não incorrer no erro milenar dos gramáticos tradicionalistas de estudar a língua como uma coisa morta, sem levar em consideração as pessoas vivas que a falam.” (grifo do autor).

Acontece que, além da preocupação em torno do risco de a teoria gramatical tradicional vir a ser considerada como único parâmetro de estudo da língua, ainda há o fato de as gramáticas tradicionais serem superficiais ou incompletas, quando não divergentes, quanto à abordagem de temas complexos. Como visto em outros artigos que escrevi, os gramáticos tradicionalistas muito pouco se manifestam sobre a dificuldade de se distinguir complemento nominal de adjunto adnominal. Entre as obras pesquisadas, apenas a de Rocha Lima (2011) aborda de forma direta esse tema específico, estabelecendo, portanto, critérios de diferenciação mais eficazes.

É certo que, em se tratando da variedade padrão da língua, o revisor de texto não pode se restringir a uma gramática apenas. Ele precisa inteirar-se da teoria das diversas gramáticas normativas, aprimorando-se dos seus recursos, a fim de conhecer o posicionamento de cada autor e, dessa forma, obter mais segurança em suas decisões linguísticas. Paralelamente, o revisor deve ter a ciência do importante papel de outros tipos de gramática, como a gramática descritiva, que estuda a língua sob um olhar mais crítico e trabalha com qualquer variedade da língua, e não apenas com a norma padrão.

Em suma, o bom senso e o poder de discernimento do revisor de texto só serão bem empregados se alicerçados na busca pelo conhecimento amplo da teoria gramatical tradicional, sem ignorar os princípios gerais da Linguística. É evidente que, no caso específico do revisor de texto, o foco não é a linguagem falada. A respeito da distância entre a linguagem falada e a linguagem escrita, objeto de estudo da GT, Vinícius Romanini (2002) manifesta o seguinte entendimento:

Não é possível abolir de vez a regra sob pena de desorganizar irremediavelmente o sistema. Por outro lado, não é possível evitar que o qualitativo e o particular entrem no sistema e o transformem numa proporção infinitesimal mas continuada. Refutado como “erro” por leis rígidas, o qualitativo se acumula como limalha sobre a membrana do sistema até que o peso dessa poeira desaba e o faz implodir. No caso de uma língua, isso equivalerá aos falantes se distanciarem lenta mas continuadamente da Gramática Tradicional até o ponto em que já não possa mais haver retorno e compromisso entre o que as regras afirmam e os que os falantes praticam.

Em se tratando da importância do conhecimento de sintaxe para o revisor de texto, especificamente da compreensão do funcionamento do adjunto adnominal e do complemento nominal, ressalta-se que saber distingui-los nas mais variadas construções sintáticas requer conhecimentos que vão além do mero reconhecimento de nomenclaturas; é necessário, por exemplo, identificar a transitividade dos nomes, e classificar o substantivo, levando em conta que o mesmo nome pode ora figurar como concreto, ora como abstrato. A compreensão desses fenômenos sintáticos proporciona ao revisor segurança, subsidiando-o no embasamento (justificativas pontuais) de suas intervenções. Às vezes, o revisor, por hábito ou intuição, é assertivo na proposta de alteração, sem, no entanto, respaldar-se na teoria que justifica tal intervenção.

Ademais, saber classificar sintaticamente os termos nas orações implica, entre outros aspectos, saber avaliar o quão imprescindível é o termo na oração, e isso pode nortear decisões sobre pontuação e escolhas lexicais (substituição ou omissão de palavras). Se o termo for um complemento nominal, certamente ele não poderá ser removido da oração sob pena de se comprometer o sentido do texto. Não que tal classificação seja necessária para verificar a imprescindibilidade do termo na oração, contudo, assim como ocorre em outras ciências, mais de um caminho ou estratégia de análise podem levar ao mesmo resultado, e isso facilita qualquer processo de entendimento.

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que o revisor faça valer os benefícios dessa importante ferramenta de trabalho, que são as gramáticas tradicionais, ele precisa conhecer o posicionamento de cada autor e consolidar as teorias, de forma a obter segurança em suas decisões linguísticas. Nesse sentido, a pesquisa tornou evidente a importância do entendimento de sintaxe para o revisor de texto ao ressaltar que conhecimentos relacionados às funções sintáticas estão atrelados a percepções que vão além do mero reconhecimento de nomenclatura, as quais proporcionam ao revisor segurança e subsídio para o embasamento de suas propostas de intervenção.

Além disso, é necessário que o revisor de texto tenha bom senso, discernimento e conhecimento de mundo, qualidades que se adquirem não só por meio do conhecimento da teoria gramatical normativa como também pelo acesso à relevante fonte de conhecimentos proporcionada pelos estudos da Linguística.

 

REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 49. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007.

CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. 33. ed. São Paulo: Vozes, 2004.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. 49. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.

ROMANINI, Vinícius. Por uma gramática da língua solta. Jornal da USP, 24-30 jun. 2002. Disponível em: <http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2002/jusp602/pag12.htm>. Acesso em: 5 out. 2018.

Raquel Machado Pivetta

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