Tudo mudou
Raquel Pivetta
— Minha filha, passa no mercado e pega uma dúzia de ovos.
— A senhora quis dizer uma dezena, né?
— Tanto faz. Pega também um pacote de bombril. Mas escolhe um que não vire ferrugem logo no primeiro uso.
— Esse não existe, mãe.
— Pega qualquer um, então. Já falei óleo de milho? Anota aí. Mas olha a embalagem, viu? Parece que agora estão fazendo de papel.
— Embalagem resistente só se for de lata, e isso já era faz tempo.
— Ah, o papel higiênico está no fim. Aproveita e escolhe um que seja mais decente.
— Mãe, nem os de folha dupla estão cumprindo o seu papel…
— Melhor parar por aí — interrompe a mãe. — Pega o mais caro. Vai que presta.
A lista parecia finalmente encerrada. Só parecia.
— Estava pensando numas balas de coco… Mas eu queria aquelas feitas com coco de verdade, sabe?
— De verdade? Esquece, mãe. Agora é tudo essência.
— E óleo de soja, ainda fabricam? Pega um litro.
— Um litro de 900ml, né? Porque litro mesmo, ninguém mais faz.
— Pode trazer esse. E pega também um leite em pó integral, da lata de 400g.
— Já ouviu falar de reduflação, mãe? Os produtos diminuíram de tamanho. Agora a lata de leite em pó tem 380g.
— Nossa, que coisa linda! Já deram até nome pra isso. Mas baixar o preço, que é bom, nem pensar. Esse só sobe — resmunga a mãe. — Faz o seguinte: se não estiver custando os olhos da cara, pega duas.
— Pode ser composto lácteo? — provoca a filha, já conhecendo a aversão da mãe a esse tipo de produto.
— Maria Eduarda, não me tira do sério — pede a mãe, segurando o riso. — Se só tiver essa coisa aí que você falou, traz o de caixinha. Mas, pelo amor de Deus, nada de leite aguado.
— Tá difícil, hein?
— Hummm, o azeite! Vê se tem um que não me faça chorar na hora de pagar.
— Azeite barato, mãe? Pode esquecer.
— Quer saber? Traz só a dúzia de ovos mesmo.