por Raquel Pivetta

— Eu, Arnaldo Silva…

Prometo ser fiel…

Amar-te e respeitar-te…

Na alegria e…

Na saúde e…

Na riqueza e…

Por todos os…

Até que a…

Eis o Sr. Reticências, o mestre das entrelinhas. Um tipo curioso. Embora sua característica predominante seja o silêncio, ele não decepciona nos votos de casamento, muito menos no cotidiano.

Na padaria, diante daquele aroma inconfundível de pães frescos que já diz tudo, ele pede:

— Me vê sete… — e o atendente, familiarizado com o estilo do Sr. Reticências, pega os pães com um sorriso.

No happy hour com os colegas de trabalho, a situação se repete:

— Me traz uma… — e não demora aparece o garçom, trazendo uma birra. Após o segundo copo, o homem de poucas palavras se solta, mas ainda mantém sua maneira peculiar de se expressar:

— No começo, eu… não fui com… mas depois eu…  Enfim, vamos brindar!

No barbeiro, ele se supera:

— Vou querer só… — e faz um gesto de tesoura com os dedos. Jacenildo — o nome do cara é Jacenildo — acena com a cabeça, mostrando que captou com facilidade o pedido do cliente.

No elevador, aquele comentário de praxe:

— O tempo fechou… — ninguém se manifesta, então ele emenda — parece que vai…

Em casa, os diálogos são sucintos e bem intuitivos. “Eu te amo” é uma das poucas frases completas que a mulher ouve dele.

E assim o Sr. reticências mantém o seu ar misterioso. Como se não bastasse a sua aura enigmática, ele ainda tem a seu favor a boa aparência: estatura alta, ombros largos, traços marcantes, olhar expressivo. Não é à toa que atrai a atenção de muitas mulheres, despertando suspiros por onde passa. Sem dúvida, além de fascinadas, elas se sentem desafiadas a decifrar seu estilo linguístico intrigante.

Certo dia, em um evento social, ele faz algo totalmente inesperado. Todos ali ansiosos, aguardando suas palavras habituais, quando, subitamente, ele pega o microfone e começa:

— Boa noite! Quero compartilhar com vocês algo que sempre guardei comigo. Uma coisa que nunca tive coragem de expor.

Todos os olhares se voltam para ele, atentos e curiosos. O silêncio toma conta do salão, de modo que dá para ouvir a respiração da pessoa ao lado. E então ele continua:

— Eu… — e suspira profundamente — eu nunca imaginei que… — e a voz embarga.

Dessa vez, havia algo diferente na forma de falar daquele homem cativante. Emocionado, ele estava tentando revelar um sonho que realizara…

Entre risos e diante de olhares lacrimejantes da plateia, ele recupera a voz e prossegue com o relato sobre o implante dos dentes, explicando que agora já pode discursar sem aquelas benditas “elipses”. Todos aplaudem com vigor.

De fato, as pausas na fala não são mais por causa da dentadura, que teimava em escapar (agora não há mais dúvidas) após a terceira palavra.

Depois dessa reviravolta, Arnaldo só enfrenta uma limitação modesta, que surge quando ele precisa redigir documentos no trabalho. É coisa boba, do tipo:

“Prezado Sr. Diretor,

Tendo em vista… com o intuito… solicitamos seus préstimos… no sentido de…

Colocamo-nos à disposição…”

Nada demais. Como diria o Sr. Reticências, dos males o…

Veja também: Josino

Sobre a autora…

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