Pinceladas do destino

Pinceladas do destino

Pinceladas do destino

Raquel Pivetta

Não posso dizer que foi amor à primeira vista. Não, isso não. Na verdade, quando entrei naquele bar, o jovem atraente, de olhos verdes e cabelos cacheados, estava acompanhado. Condição que impedia qualquer devaneio romântico da minha parte. E, para piorar, a menina era linda: pele resplandecente, maçãs do rosto coradas, traços delicados.

Não resisti:

— Nossa, que rapaz bonito! — comentei com a Claudinha, como quem não queria nada. — Com todo respeito — acrescentei para aliviar minha consciência. Até porque a moça tinha certa ligação com nosso círculo de amigos. Enfim, foi só um comentário inocente que escapou, e eu já estava de saída.

Mas chegou o dia da festa de aniversário da Claudinha. E lá estava ele. Para a minha sorte, sozinho. Empolgada com a minha Samsung, comprada com os frutos do meu primeiro emprego, não pude me conter e capturei diversos momentos dele com os amigos. Era comum carregar uma máquina fotográfica, embora não fosse tão comum passar a festa inteira tirando fotos de um desconhecido.

E não é que deu certo?! Depois de muitos cliques, ele veio em minha direção. Sem se aproximar além da conta, fitou-me nos olhos e abriu um sorriso. Seu ar enigmático, combinado com sua determinação, logo me fascinou. E seu sorriso espontâneo me deixou à vontade, de modo que a conversa fluiu. Já não era apenas sua beleza física que me atraía. Seu jeito sincero de ser e sua postura comedida eram características que sempre busquei em um homem.

Até então, eu não tinha ideia da dimensão do que estava acontecendo. Sentia-me feliz. Mas era um sentimento, não uma constatação. Talvez isso justifique o velho ditado “era feliz e não sabia”. Claro! Quando a gente se encontra nesse estado de plenitude, está tão mergulhada na situação de contentamento, que não se dá conta mesmo.

Na semana seguinte, eu estava na chácara da minha avó — morava com ela nessa época — quando o Motorola (aquilo não era um celular!) tocou. Adivinha quem? A Claudinha me chamando para uma festa. Disse que ia me buscar e que o rapaz bonito ia estar lá. Fiquei eufórica, corri para me aprontar.

— Você ainda vai sair, Raquel?! — perguntou minha avó, perplexa, já que passava das onze da noite. “Sim, estou doidinha para me encontrar de novo com um cara que conheci outro dia”, pensei.

Enquanto o chuveiro esquentava, formulei uma resposta melhor:

— Sim, vó. Minha amiga vem me buscar.

No calor infernal de setembro, em plena sexta-feira, eu mal podia esperar para sair daquele fim de mundo, ainda mais com a perspectiva de rever o rapaz encantador (Rafael, seu nome). Ufa, finalmente, minha amiga encontrou a chácara (imagina o breu e ainda sem Waze). Quando abri a porta do carro, meu coração deu um salto de surpresa e alegria ao perceber que o Rafael estava ali. Mas a surpresa mesmo ainda estaria por vir. Ao sairmos da chácara, ele olhou fixamente para trás e comentou:

— Estranho… Tenho a impressão de já conhecer esse lugar— fez uma pausa. — Cara, já passei por aqui! — confirmou ele, puxando da memória.

— Como assim? — perguntei, curiosa.

— Quando minha mãe veio do Rio Grande do Sul para Brasília, andamos por essas chácaras e visitamos uma mulher que pinta uns quadros. Bem ali, no final dessa rua — apontou com o queixo.

— Sério?… Essa mulher é minha mãe!

— Ah, então a moça do quadro na entrada…

— De chapéu?

— Isso mesmo, um chapéu azul!

— Sim, sou eu — confirmei, com um sorriso tímido. — Impressionismo, estilo preferido dela.

Apesar da magnitude dessa coincidência, não dei muita importância. Afinal, a magia que envolvia o fato de estarmos ali, lado a lado, sobressaía a qualquer evento inesperado. Mas depois me peguei tentando processar tudo aquilo. Era como se o universo estivesse tecendo uma história diante dos meus olhos e eu ali, sem conseguir acreditar que fazia parte dela. Certamente, se eu ao menos cogitasse que um dia juraríamos amor eterno e que seríamos um do outro durante os próximos 25 anos… Ah, isso afastaria qualquer hipótese de coincidência.

É bem verdade que o fato de o rapaz charmoso ter visitado minha história antes de escrever nossa história juntos era, no mínimo, intrigante. Além do mais, conhecendo os capítulos que protagonizei antes de ele entrar na trama, tenho argumentos para acreditar que tais eventualidades ou acasos da vida são como pinceladas sutis do destino, adicionando complexidade à arte da nossa existência. A evidência, portanto, de que Deus não joga dados.

Veja também: Mãe aos 45 do segundo

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4 respostas

  1. História bacana, parece filme…mas o fato de ele ter conhecido sua mãe e ter visto você numa pintura antes é intrigante mesmo….parece destino…
    Enfim, lá se vão 25 anos….parabéns

    1. Muito obrigada pelo seu comentário, Girlei! É mesmo curioso como a vida nos reserva essas surpresas. Fico feliz que tenha gostado da história! ☺️

  2. Muito bom ler a história de vocês e, ao conhecer toda essa trajetória, consigo visualizar cada etapa e seus personagens. É uma alegria ver tudo o que vocês construíram, essa linda família, uma relação estável, uma verdadeira fortaleza de amor. Parabéns!!!

  3. Oi Raquel,

    Enredo perfeito bem como uma narrativa bem elaborada. Os diálogos são bem conduzidos pelos personagens. Belo conto com sequência perfeita. Gostei muito. Parabéns.

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