Gênero carta comercial

Gênero carta comercial

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo contempla o estudo do gênero textual “carta comercial”. Tem como objetivo: desvelar, a partir dos princípios teóricos abordados, a natureza desse gênero quanto à sua estrutura linguística, nível microtextual — que envolve categorias linguísticas, organização textual e estrutura potencial do gênero — e quanto ao seu aspecto discursivo, nível macrotextual — que envolve coerência, contexto, intertextualidade, ideologia, estrutura potencial, domínio discursivo e função social.

Inicialmente, será apresentada a teoria sobre gênero e tipologia textual. Em seguida, no tópico 3, será mostrado um estudo teórico sobre natureza, estrutura potencial, função social e domínio discursivo do gênero carta comercial. Na sequência, tópico 4, serão apresentadas as considerações finais sobre o estudo, destacando-se os objetivos alcançados.

 

2. TEORIA

2.1. Gênero e tipologia textual

Todo texto tem viés comunicativo dadas às necessidades de os homens se comunicarem. Em outras palavras, todo texto possui intenção e é produzido para suprir a carência comunicativa. Desde os primórdios da humanidade, os homens buscam formas de interação para a manutenção da vida, e uma dessa formas se deu por meio da fala e da língua.

Consoante Marcuschi (2003), a língua é uma forma de ação social e histórica que, ao dizer, também constitui a realidade sem, contudo, cair num subjetivismo ou idealismo ingênuo. Dentro dessa perspectiva, surge o gênero textual, cuja finalidade é tornar mais prática a comunicação. Assim como o texto, o gênero também tem como função precípua suprir a necessidade comunicativa do homem.

Marcuschi (2003) afirma também que os gêneros textuais não se caracterizam nem se definem por aspectos formais, sejam eles estruturais ou linguísticos, e sim por aspectos sociocomunicativos.

Para Fairclough (apud MEURER, 2005, p. 81), o termo gênero é usado para designar um conjunto de convenções relativamente estável e parcialmente realiza um tipo de atividade socialmente aprovado, como a conversa informal ou a compra de produtos em uma loja.

Em se tratando da quantidade de gêneros existentes, pode-se dizer que não há um número definido, uma vez que eles podem surgir, desaparecer ou evoluir de acordo com os usos que se fazem deles, a exemplo do advento da Internet, que propiciou o surgimento de vários gêneros. Trata-se de um suporte no qual se encontram vários tipos de textos, por exemplo: site de namoro, site de culinária, blogs; e redes sociais, conhecidas como Facebook, Instagram, LinkedIn e Twitter.

Os gêneros acompanham as pessoas em qualquer ocasião, seja em casa, no trabalho ou em ambientes mais descontraídos. Sempre serão utilizados pelo fato de suprirem as necessidades da sociedade, que se respaldará em um ou mais gêneros, desde que se solucionem suas carências comunicativas. Dessa forma, gênero textual tem como premissa a ação social.

Podem ser citados como exemplos de gêneros textuais: bula, receita culinária, bilhete, e-mail,música, lista de compras, panfleto, ofício, ata e carta comercial. Inúmeros são os tipos. Vale ressaltar que, no interior de um gênero, podem ser encontradas mais de uma tipologia textual.

Dentro dessa perspectiva, entende-se como texto o entrelaçamento de ideias. Quando se produz um texto, tem-se em mente o que se deseja, escolhem-se as palavras, os tempos verbais, quais vocábulos se encaixam melhor, tudo para que a intenção comunicativa seja alcançada. Logo, toda produção textual tem vínculo comunicativo e pode ter a pretensão de explicar, convencer, entreter, emocionar, ordenar.

Nesse sentido, os textos são classificados quanto à tipologia textual, a qual leva em conta sua natureza. Pode-se dizer que tipo textual diz respeito à roupagem do texto, à forma como ele se apresenta. Sobre esse tema, Marcuschi (2008, p. 156) assevera:

Tipo textual – designa uma espécie de construção teórica {em geral uma sequência subjacente aos textos} definidas pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo}. O tipo caracteriza-se muito mais como sequências linguísticas, (sequências retóricas) do que como textos materializados, a rigor, são modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição e injunção.

É válido ressaltar que um texto pode conter mais de uma tipologia, ou seja, pode apresentar nuances de outros tipos. E possível, no entanto, identificar a tipologia que predomina em cada texto. A seguir são explanados os tipos textuais:

  • Narrativo: texto com personagens, narração direta ou indireta, enredo, tempo cronológico ou psicológico, espaço, clímax e resolução de conflito. Há uso de travessões para indicar a fala do personagem, uso de interrogações ou exclamações. Exemplos: fábulas, contos, lendas, romances, novelas e crônicas.
  • Argumentativo: texto que utiliza informação denotativa e defende uma ideia, geralmente com base em informações obtidas por meio de pesquisa. Exemplos: tese, artigo científico, monografia e editorial jornalístico.
  • Expositivo: conforme o próprio nome indica, esse tipo de texto visa expor, apresentar ou explanar algo ou uma ideia. Exemplos: seminário, conferência, trabalho acadêmico e relatório.
  • Descritivo: texto que discorre sobre as características de algo ou alguém. É comum nessa tipologia a presença de adjetivos e verbos de ligação. Exemplos: biografia, currículo e cardápio.
  • Injuntivo: texto que tenta convencer ou dar ordem; utiliza verbos no imperativo. Exemplos: bula de remédio, propaganda, receita culinária e manual de instrução.

 

2.2.  A coesão no âmbito da linguística textual

Um dos recursos mais importantes na produção textual, especificamente no que diz respeito aos aspectos microtextuais, é a coesão, a qual compõe a relação dos sete elementos responsáveis pela textualidade abordados pelos estudiosos do texto, a saber: coesão, coerência, informatividade, situacionalidade, intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade.

É por meio dos recursos de coesão textual que se torna possível organizar as palavras e as frases, de forma a produzir uma unidade textual de sentido. Afinal, o texto não é formado por frases soltas, sem que estas, de alguma maneira, relacionem-se entre si.

Por outro lado, não se pode afirmar que todo texto composto de elementos coesivos cumpre sua função de sentido. De fato, o uso dos elementos coesivos pode ajudar a visualizar as relações existentes entre os termos e enunciados que constituem o texto, bem como proporcionar a sequencialização das suas ideias. Todavia isso não é pressuposto para se afirmar que um texto coeso é necessariamente coerente.

Ademais, para Marcushi e outros estudiosos do texto, a coesão, além de não ser fator determinante para a criação do texto, não é imprescindível. Textos sem a presença de elementos coesivos, mas que são coerentes (existe continuidade em termos de sentido), assim como há textos dotados de recursos coesivos, mas que não possuem unidade de sentido.

Levando em conta todas essas considerações, Koch afirma que a coesão é um mecanismo fundamental para a manifestação superficial da coerência em muitos tipos de textos (científicos, didáticos, expositivos, opinativos). E conclui: “Pode-se afirmar que o conceito de coesão textual diz respeito a todos os processos de sequencialização que asseguram (ou tornam recuperável) uma ligação significativa entre os elementos que ocorrem na superfície textual”.

A autora propõe que se divida o fenômeno da coesão em duas grandes modalidades: a coesão remissiva ou referencial e a coesão sequencial, sendo que esta é realizada mais por elementos conectivos, e aquela, por relações mais especificamente semânticas e/ou pragmáticas responsáveis pela progressão do texto.

 

3. GÊNERO CARTA COMERCIAL

3.1. Conceitos, finalidades

O gênero carta comercial tem cunho exclusivamente profissional e é utilizado para se estabelecer a comunicação formal entre pessoas jurídicas. Tem por finalidade solicitar ou esclarecer algo a uma empresa. Nesse sentido, partindo da ideia de que gênero supre a necessidade comunicativa, a carta comercial supre a necessidade comunicativa de empresas. Portanto deve ser pautada em clareza, objetividade e concisão.

3.2. Estrutura potencial

Tendo em vista que a carta comercial tem para o setor da iniciativa privada a mesma função de comunicação geral que o ofício possui no setor público, podem-se utilizar como parâmetro para a elaboração da carta comercial as recomendações constantes no Manual de Redação da Presidência da República para a elaboração de Ofício. Assim, com base nesse manual, compreende-se que a carta comercial se constitui da seguinte estrutura potencial:

  • Identificação do expediente: tipo e número do expediente, seguido da sigla ou nome da empresa que o expede. Ex.: CT 112/2018-COSULTORIA-TI.
  • Local e data em que foi assinado: por extenso e com alinhamento à direita.
  • Destinatário: o nome, o cargo e o endereço da pessoa a quem é dirigida a comunicação.
  • Assunto: resumo do teor do documento.
  • Vocativo: termo que invoca o destinatário; é seguido de vírgula.
  • Texto: nos casos em que não for de mero encaminhamento de documentos, o expediente deve conter a seguinte estrutura:
  • Introdução: confunde-se com o parágrafo de abertura, no qual é apresentado o assunto que motiva a comunicação. Deve-se empregar a forma direta e evitar o uso das formas: “Tenho a honra de”, “Tenho o prazer de”, “Cumpre-me informar que”;
  • Desenvolvimento: detalha o assunto; se o texto contiver mais de uma ideia sobre o assunto, elas deverão ser tratadas em parágrafos distintos, o que confere maior clareza à exposição.
  • Conclusão: reafirma ou simplesmente reapresenta a posição recomendada sobre o assunto.
  • Fecho: além de arrematar o texto, faz a saudação ao destinatário.
  • Assinatura: para evitar equívocos, recomenda-se não deixar a assinatura em página isolada do expediente. Deve-se transferir para essa página pelo menos a última frase anterior ao fecho.
  • Identificação do signatário: as Cartas Comerciais devem trazer, abaixo do local de sua assinatura, o nome e o cargo do representante que as expede.

A carta comercial também deve conter, no cabeçalho ou no rodapé, as seguintes informações do remetente: nome da empresa, endereço postal, telefone e endereço de correio eletrônico.

Quanto à forma de apresentação da carta comercial, orienta-se não exagerar no uso de negrito, itálico, sublinhado, letras maiúsculas, sombreado, sombra, relevo, bordas ou qualquer outra forma de formatação que afete a elegância e a sobriedade do documento. É também necessário atentar para as seguintes recomendações:

  • Papel: A4 (de 21 x 29,7 cm), preferencialmente, ou Carta (21,59 x 27,94);
  • Margens: direita, 2 cm; esquerda, 3 cm; superior, 3 cm; inferior 2 cm;
  • Espaços entre linhas: simples ou 1,5 cm;
  • Vocativo: mesmo recuo que o da primeira linha do parágrafo, ou seja, 2,5 cm de distância da margem esquerda; apresenta-se seguido de vírgula.

3.3. Principais características

As características do gênero carta comercial são bem específicas à sua finalidade e estão relacionadas a questões que envolvem a comunicação formal entre empresas. Tal comunicação basicamente se configura como um pedido ou como um comunicado, motivo pelo qual a carta comercial apresenta estas duas classificações: carta de solicitação: o remetente tem o objetivo de fazer ao destinatário um determinado pedido; e carta de informação: o remetente tem o objetivo de fazer ao destinatário uma determinada comunicação.

À carta comercial atribuem-se as principais características presentes na redação oficial, quais sejam: concisão, clareza, objetividade, formalidade e impessoalidade. Para tanto, nesse tipo de texto, é indispensável seguir alguns critérios norteadores, tais como:

  • Evitar frases vazias, orações excessivamente longas, gírias e estrangeirismo. Prolixidades e redundâncias são grandes entraves ao desenvolvimento desse tipo de texto, que requer objetividade;
  • Observar se há transição natural entre uma frase e outra e atentar-se para a forma adequada de articulação do sujeito, do predicado e dos complementos, de forma que se obtenha coerência textual. Evitar ambiguidades ou mesmo termos inadequados, selecionando, com base na análise paradigmática, os vocábulos mais apropriados para cada contexto;
  • Não evidenciar impressões individuais, pois a comunicação é feita em nome de uma empresa.

3.4. Domínio discursivo

Dionisio (2003), com respaldo no suporte teórico de Marcuschi, faz clara distinção entre tipo textual, gênero textual e domínio discursivo. Segundo a autora, tipo textual se define por propriedades linguísticas intrínsecas ou sequências linguísticas típicas presentes no interior do gênero; ao passo que o gênero textual se define pelas características funcionais e sociocomunicativas, não podendo, portanto, ser tratados meramente por seus aspectos linguísticos; já o domínio discursivo corresponde a uma instância de produção discursiva ou de atividade humana em que o texto se manifesta de forma a produzir um discurso.

Conforme explica a referida autora, os domínios discursivos favorecem a ocorrência de vários tipos de discursos, como o jurídico, o jornalístico, o religioso etc., e esses campos de atividade podem dar origem a vários gêneros, o que demonstra que o domínio discursivo é uma prática discursiva capaz de contemplar um conjunto de gêneros textuais.

Por se tratar de atividade social, o gênero em estudo (carta comercial) situa-se em um domínio discursivo que favorece práticas sociodiscursivas. Nesse sentido, tal gênero insere-se no domínio discursivo comercial, ou seja, é produzido e é compreendido por sua comunidade de destino na esfera comunicativa comercial, especificamente, entre empresas, pessoas jurídicas.

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos envolvidos na elaboração deste artigo permitiram compreender quão relevante é observar as características inerentes à carta comercial. Esse valioso instrumento de trabalho, que intermedeia as relações cliente-empresa, não só reflete a imagem da empresa como também pode influenciar nas negociações ou na resposta a solicitações.

Pôde-se compreender melhor a importância de se ter uma visão ampla dos aspectos ou requisitos do gênero, conhecendo suas características em termos de estrutura linguística, função social, domínio discursivo, contexto, ideologia, entre outras características relativas a estratégias de dominação e influência presentes.

 

5. REFERÊNCIAS

BRASIL. Presidência da República. Manual de redação da Presidência da República. 2. ed. rev. e atual. Brasília: Presidência da República, 2002.

DIONISIO, Angela Paiva et al. Gêneros Textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucena, 2003, p. 19 e 23-25.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A coesão textual. 21 ed. São Paulo: Contexto, 2009, p. 18 e 27.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. 1ª ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2008, p. 104 e 156.

MEURER, José Luiz et al. Gêneros teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005, p.81.

DIANA, Daniela. Toda Matéria – Carta Comercial. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/carta-comercial/>. Acesso em 1 de maio de 2018.

Estrutura da Carta Comercial. Disponível em:<https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/educacao/estrutura-da-carta-comercial/62425> Acesso em: 21 mai. 2018.

LIMA, Lailson; NOVAIS, Jonrick; LINS, Felipe. Carta Comercial. Disponível em: <http://gtcartacomercial.blogspot.com.br/2009/04/genero-textual-cartas-comerciais.htm> Acesso em: 21 mai. 2018.

Redação empresarial. Disponível em: <http://201.62.79.63/ftp/programas/Unidades/apostilas/Cursos_apostilas-pdf/RedacaoEmpresarial/Apostilas/REDACAO_empresarial.pdf> Acesso em: 21 mai. 2018.

Redação escolar, comercial e oficial. Disponível em :< http://www.cci401.com.br/Util/HandlerArquivoBiblioteca.ashx?arq=137> Acesso em: 21 mai. 2018.

Raquel Machado Pivetta

 

Veja também: Gênero artigo de opinião.

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