Na dúvida…
Raquel Pivetta
Almoço às pressas, shopping lotado, praça de alimentação mal iluminada… Eis que surgem em nossa direção quatro homens de rosto familiar, todos ostentando um sorriso largo e com o crachá da empresa pendurado no pescoço. Fui a primeira a retribuir a cordialidade aos “colegas da TI”, com um sorriso e um aceno caloroso, enquanto meu companheiro seguia um passo atrás, em fila indiana.
Acontece que os sorridentes simplesmente passaram direto por ele. Para minha infelicidade, não eram colegas da TI coisa nenhuma. Pelo jeito, não eram nem conhecidos. Pense numa nuvem pesada, carregada de constrangimento. Suficiente para fechar o tempo.
Mais tarde, o sol voltou a brilhar, com sua costumeira leveza, como se quisesse restaurar o bom humor. Mas a verdade é que essas gafes estão ficando cada vez mais frequentes. A vista não ajuda, e já testei todas as lentes possíveis. Dois oftalmologistas me disseram a mesma coisa: “Seu olho esquerdo não aprendeu a enxergar direito na infância. Agora, não tem conserto.”
Coisa mais chata de ouvir! Não conheço ninguém com isso. E ainda sou agraciada por aí com conselhos aleatórios: “Tá na hora de trocar de óculos, hein?”
Outro dia, mais um incidente para abalar a paz conjugal:
— Raquel, você não cumprimentou o Jorge no elevador? — pergunta meu marido, indignado. — Ele e a esposa são nossos amigos! Ficamos na casa deles em Porto Alegre, lembra?
— Puts! — meu rosto ficou quente, mudei de cor. — Claro que me lembro! Pessoas queridas… Mas, nessas horas, apesar da vergonha, os argumentos vêm prontinhos. Acho que, ao contrário do meu olho, minha memória, sim, aprendeu a funcionar direito quando eu era criança:
— Meu bem, lembra daquele episódio na praça de alimentação do shopping? E então, o que você sugere? Eu arrisco e cumprimento?
Ele suspira, com um sorriso resignado:
— Ah, meu amor, na dúvida, é melhor não cumprimentar mesmo.