De grão em grão…

De grão em grão...

DE GRÃO EM GRÃO…

— Arnaldo, o que esse tênis tá fazendo aqui na porta?

— Amor, daqui a pouco eu guardo.

— Daqui a pouco… Sei.

— E essa xícara no chão? Alguém vai tropeçar.

— Calma, Matilde! Já, já eu levo pra cozinha.

— Já, já… Sei.

— Arnaldo, e essas meias em cima da bancada?

— Meu bem, pode deixar aí, que mais tarde eu vou usar.

— Vai usar… Sei.

Matilde deu uma olhada ao redor, suspirou e viu mais uma coisa.

— Arnaldo, o que é essa pilha de papéis na mesa da sala?

— São só alguns documentos. Vou organizar depois da aula.

— Depois da aula… Tá — disse Matilde, revirando os olhos.

— Arnaldo… — Matilde deu uma pausa, encarando o marido.

Ele continuou no computador, concentrado, como se as palavras dela fossem plumas ao vento e nada no mundo pudesse tirá-lo de sua aula on-line.

— Você lembra do que a gente combinou?

— Combinou o quê, Matilde?

Ela colocou as mãos na cintura.

— Que cada um ia cuidar das suas coisas e manter o galinheiro em ordem.

— Claro, meu bem. Só estou terminando isso aqui.

Matilde respirou fundo, foi até a cozinha e pegou uma caderneta. Voltou para a sala e começou a anotar:

— Vamos lá: tênis na porta, xícara no chão, meias na bancada, papéis na mesa… O que mais falta?

Toalha molhada em cima da cama, pensou Arnaldo, mas sem se entregar.

Vendo aquela movimentação, ele levantou os olhos da tela, meio preocupado.

— O que você está fazendo?

— Anotando o que você vai fazer “daqui a pouco”, “já, já”, “mais tarde” e “depois da aula”. Quero só ter certeza de que não vai se esquecer de nada.

Ele deu um sorriso sem graça.

— Ah, Matilde, você sabe que eu faço as coisas e que você é a minha galinha dos ovos de ouro. Só preciso de um tempinho.

— Tempinho, Arnaldo? De grão em grão, a galinha enche o saco, sabia?

Arnaldo riu, se levantou e começou a botar as coisas no lugar.

— Tá bom, tá bom. Entendi o recado. Vou começar pelo tênis, certo?

— Certo. Já, já a galinha para de cacarejar e agradece.

Enquanto ele ajeitava tudo, Matilde sentiu um grãozinho de vitória. Embora desse um pouco de pena precisar fazer isso, percebeu que, de vez em quando, uma bicadinha bem-humorada era o melhor remédio.

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