Curiosidade de criança (2ª ed.)

Curiosidade de criança

Curiosidade de criança

Raquel Pivetta

É compreensível que em determinados contextos vejamos inocência e ingenuidade como sinônimos. Tais quais duas estradas, inicialmente paralelas, convergindo para um único lugar. De fato, esses termos têm lá suas semelhanças. Caldas Aulete define ingenuidade como qualidade do que é ingênuo, que por sua vez significa sem malícia; e inocência, como ausência de culpa, ausência de malícia.

Contudo, nas veredas da língua portuguesa, as interpretações gerais do uso comum revelam as nuances próprias de cada caminho. A ingenuidade muitas vezes está voltada para a falta de experiência ou de conhecimento das artimanhas do mundo, enquanto a inocência segue em direção à pureza genuína, à ausência de maldade.

As experiências do cotidiano costumam mostrar com mais clareza essas nuances. Certo dia, me peguei numa situação em que pude perceber a linha tênue que separa as duas estradas. Foi quando meu esposo, Escorpião, e eu, Leão, transitávamos tranquilamente por nossas identidades astrológicas, e a menininha, nascida em meados de setembro, trouxe à tona a expressão “signo de Virgem”.

Como se buscasse desvendar um mistério, ela me perguntou:

— Mãe, o que é “Virgem”?

Sem querer entrar em certos detalhes, respondi, com a sutileza que a situação pedia:

— Virgem, minha filha, é como… uma página nova, algo que permanece intacto, uma preciosidade que nunca foi explorada.

Mas a pequena não parecia satisfeita com minha explicação. Seu olhar curioso denunciava a desconfiança de que havia algo além daquelas palavras. Enquanto eu tentava discretamente sair da sala, ela alcançou um dicionário na estante e, num piscar de olhos, encontrou o verbete procurado — uma habilidade que até então eu desconhecia.

E lá estava ela, toda séria, lendo a definição em voz alta:

— Virgem (vir.gem) adj. s.f. Mulher, donzela, geralmente jovem, que nunca teve relações sexuais… — e continuou a ler, de modo a desvendar o enigma da palavra.

— Foi mais ou menos isso que eu quis dizer — murmurei, escapulindo para a cozinha.

É como eu sempre digo, jamais seja ingênuo a ponto de subestimar a esperteza de uma criança. A destreza desse ser inocente em desbravar o desconhecido pode surpreender até os mais experientes.

Veja também: Verão, a melhor versão do seu tempo

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