O que vale é o presente

O que vale é o presente

O que vale é o presente

Raquel M. Pivetta

Todo fim de ano é a mesma história. A maratona das festas, o pânico das compras de última hora, a barulheira dos fogos de artifício na virada e, o que é pior, o terror do amigo secreto.

Quem nunca tirou aquele parente distante e ficou completamente sem ideia do que comprar? No final, acabou dando uma caixa de sabonetes ou um porta-retratos vazio.

Sem falar naquelas situações em que o presente mais parece uma provocação, como um livro de autoajuda para um estressado que detesta ler, uma camiseta do time adversário ou, ainda, um perfume que provoca reação alérgica na amiga secreta. Ah, já ia me esquecendo, tem também aquele presente misterioso — tão inusitado que a festa termina e ninguém consegue decifrar.

Agora desalentador mesmo é esperar um presente incrível, como um acessório tecnológico ou uma joia, mas ganhar um desodorante vagabundo, uma pochete, um bracelete de plástico ou um galo que muda de cor com a temperatura. Isso gera cenas de constrangimento que não são amenizadas nem com o tempo.

Tantas desilusões levaram a alternativas como inimigo oculto, amigo da onça, amigolate, amigo culto e tantos outras variações. Tem até a modalidade que conta com uma lista em que os participantes informam o objeto desejado, conforme preço mínimo pré-definido (honestamente, não sei que graça tem isso).

Então eu pergunto: onde está o espírito Natalino? As surpresas, o valor do esforço, os gestos de gentileza, o inesperado que toca o coração.

O que muitos não percebem é que o presente mais singelo pode significar um lembrete do que realmente importa. Um cartão com uma mensagem sincera escrita à mão, uma foto emoldurada de um momento especial, um adorno que simboliza a amizade, um pano de prato bordado por aquela tia querida que talvez nunca mais vejamos ou um sabonete decorativo, com alfinetes espetados, feito pelas mãos da avó.

O amigo oculto cria memórias e histórias que serão recontadas por anos. Muitas vezes, revela atitudes que marcam. Como quando alguém aceita trocar de amigo para ajudar quem está com dificuldade de encontrar o presente certo ou quando abre mão do presente para não frustrar uma criança que ficou de fora.

O amigo secreto também pode ser uma oportunidade de nos conectarmos com quem normalmente interagimos pouco. O esforço para descobrir mais sobre a pessoa que tiramos, pensando cuidadosamente em como agradá-la, pode ser muito gratificante. Ver a expressão de alegria em seu rosto ao abrir o presente é recompensador.

Enfim, essa brincadeira é, sobretudo, uma celebração da camaradagem. Uma demonstração de que, apesar das gafes e das pequenas frustrações, o que realmente está em jogo são os laços que criamos e fortalecemos. E é isso que torna a troca de presentes especial.

Mas não. No dia seguinte, são só lamúrias: “Eu não dou sorte, sempre compro um presente caro e ganho um mixuruca”. Há quem chegue a abolir de sua vida essa brincadeira tradicional, tamanha a decepção.

Quer saber de uma coisa? Nunca vi alguém assumir que deu algo meia-boca. Se for assim, cadê os presentes bons?  Onde estão os sortudos que ganharam esses itens caros? É estranho, essa conta nunca fecha.

Veja também:

O brilho em duas faces

A sina de Sara: um releitura contemporânea de “Um homem célebre”

Para pergunta na lata, meia resposta basta

Sobre a autora

COMPARTILHE ESTE POST

POSTS RELACIONADOS

DEIXE UM COMENTÁRIO

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *