Matizes da felicidade
Raquel Pivetta
— Oi, Laura, é um prazer conhecê-la. Posso saber um pouco mais sobre você?
— Tenho 46 anos, sou casada há 19 e tenho um casal de filhos. Trabalho na área de TI.
— Obrigada por compartilhar. O que a trouxe aqui hoje?
— Eu não me sinto feliz.
— Entendo. Pode me contar mais sobre o que faz você se sentir assim?
— Sei lá, é estranho. Sinto como se estivesse presa no lado menos divertido da ilha.
— Parece difícil de definir. Você consegue lembrar de algum momento recente em que se viu no lado divertido?
— Acho que ontem, quando saímos para jantar com um casal de amigos. Foi bom, mas durou pouco.
— Compreendo. No seu cotidiano, o que te traz alegria?
— Acordar com as carícias do meu marido, rir com minha filha, rolar na cama com o caçula.
— E no trabalho, como é? Você trabalha com TI, né?
— É gratificante resolver problemas complexos, concluir as demandas dentro do prazo, bater perna no shopping no horário de almoço, tomar café com uma amiga.
— Então você se sente bem tanto no trabalho quanto em casa…
— Sim. Gosto do que faço e me dou bem com os colegas. E adoro estar em casa, mesmo com as insistentes pilhas de louça.
— Além de todos os prazeres que mencionou, você tem algum hobby?
— Ah, gosto de ler, escrever, pintar um quadro, preparar um prato diferente ou uma comida simples e saborosa, organizar a casa, cuidar do meu corpo.
— São atividades bem variadas. Você se cobra muito em relação a tudo isso?
— Mais ou menos. Acho que é proporcional ao que espero de cada uma dessas coisas.
— Certo. E o seu sono? Tem dormido bem?
— Só acordo com o despertador.
— Laura, mesmo com a vida tão cheia, você sente algum vazio?
— Na verdade, sinto falta de ser feliz.
— A felicidade pode ser um conceito difícil de definir. Será que você está esperando que ela seja algo mais grandioso, mais intenso?
— Talvez… Vejo as pessoas ao meu redor parecendo tão felizes, e eu não sinto isso.
— Laura, qual é o seu maior medo?
— Não ter com quem caminhar de mãos dadas.
— Está receosa de que isso possa acontecer?
— Não, isso não.
— Então, o que te preocupa?
— Essa tal felicidade. Parece que nunca consigo alcançá-la.
— Onde você acha que está a felicidade?
— Não sei… Tenho a impressão de que está em todo mundo, menos em mim.
— Mas tudo que você descreveu hoje tem tanta vida e beleza…
O silêncio se alongou na sala enquanto Laura olhava para o quadro na parede, uma paisagem de montanhas banhadas pela luz dourada do entardecer. As cores pareciam vibrar de um jeito que ela nunca tinha notado antes.
— Às vezes, as coisas mais valiosas são aquelas que a gente não percebe de imediato — disse a terapeuta, quebrando o silêncio com uma voz suave, quase um sussurro.
Laura manteve o olhar fixo na pintura, como se estivesse tentando decifrar um enigma.
— Talvez — respondeu, com um sorriso que parecia escapar sem permissão. — Talvez seja isso.
A terapeuta não disse mais nada, deixando que as últimas palavras se acomodassem no ar, como folhas que caem lentamente ao chão.
Laura se levantou, ainda com os olhos na pintura, e se dirigiu à porta. Antes de sair, olhou para trás, com uma expressão que misturava entendimento e mistério:
— Obrigada — disse. E saiu, deixando na sala um rastro de perguntas não feitas, como se tivesse encontrado algo que preferia guardar para si.
Do lado de fora, o sol ainda brilhava intensamente, tal qual a mais audaciosa felicidade. Mas Laura sentiu que, aos poucos, começava a reconhecer os matizes que davam forma à luz.
Uma resposta
Oi Raquel, muito bom. Os diálogos são precisos e bem estruturados. E o mistério da felicidade permanece. Uma belíssima narrativa. Um abraço.