Além das sombras do azul de novembro

Novembro azul

Além das sombras do azul de novembro

por Raquel Pivetta

Na casa da dona Lourdes, o Novembro Azul nunca passa em branco. Faça chuva ou faça sol, todo ano, no dia sete de novembro, os quatro filhos, as noras e os netos se reúnem na casa dela, num almoço em família, para comemorar o aniversário da matriarca. Uma varanda enorme e aconchegante (repleta de samambaias), a comida deliciosa, um bolo confeitado, a mãe feliz em poder reunir a família, tudo perfeito.

Mas, para o terror dos homens ali presentes, o tal assunto sempre surge e toma certa proporção. Mateus, o filho mais velho, é um dos que só faltam sair correndo quando a mulher fala do exame da próstata:

— Ah, não preciso disso, Marina! — diz ele, cheio de preconceito.

— Isso é como achar que seu carro nunca terá problemas. Até que um dia, “PÁ”, fica parado na beira da estrada, com o motor fundido — diz Marina, tentando conscientizar o marido.

Dona Lourdes balança a cabeça, como quem diz: “Faz todo sentido!”

João, o segundo filho, também não fica para trás:

— É coisa de macho não falar disso!

Os marmanjos concordam e até dão gargalhadas. Na cabeça deles, mencionar a palavra “próstata” é como perder a masculinidade, e a risada é o escudo perfeito contra essa ameaça.

Pedro, o mais machista de todos, faz até o sinal da cruz:

— Deus me livre dessa humilhação! — fala o retrato da resistência (pensa que enfrentar os exames significa perder a dignidade).

— Engraçado… O carro vocês levam todo ano para revisão — diz Marina. — É um cuidado danado.

Beatriz, mulher de Pedro, cansada de ver essa cena de resistência se repetir todos os anos, entra na conversa:

— Pegando o gancho do que a Marina falou, imaginem a próstata como se fosse seu carro precisando de manutenção. Agora, o “Novembro Azul” é o mês em que vocês decidem levá-lo ao mecânico; só que, em vez de um carro, são vocês, é a sua saúde!

— Ah, minha saúde é como um carro esportivo, imbatível! — rebate Juninho, o caçula. — Esses exames são só para os modelos mais antigos.

— Juninho, até os carros esportivos precisam de uma verificação de vez em quando.

E continua o discurso:

— Então, meus caros, se quiserem cuidar da saúde, vocês terão que quebrar o preconceito e dar um soco no machismo. Terão que se submeter aos exames para tentar garantir que seu carro (ou seja, vocês mesmos) continue funcionando bem por mais tempo.

Esse foi o jeito que Beatriz arranjou de explicar aos machões que resistir aos exames não é sinal de força; é pura negligência.

De repente, o clima fica tenso, um silêncio toma conta do ambiente. A sorte é que, bem nessa hora, dona Lourdes volta da cozinha, trazendo a garrafa de café.

Pronto, depois da chegada do cafezinho, com seu aroma irresistível, e do sorriso acolhedor da dona Lourdes, tudo volta ao normal. Mas, pelos semblantes, dava para notar que eles ficaram preocupados com o “carro”.

Veja também: A ceia nossa de cada ano

 

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