Gramatiquês

por Raquel Pivetta

Ela não é fácil. É custosa. Danada…

Seja para ajudar, seja para atrapalhar, ela se mete em tudo… E pode causar confusão. Com sutileza, ela pode, por exemplo:

Mudar um estado civil: casei não, me separei; casei, não me separei.

Levar o sujeito para outro caminho: não entre à direita; não, entre à direita.

Estragar uma homenagem: mãe só tem uma; mãe, só tem uma (referindo-se à cerveja na geladeira).

Pode ainda partir um coração: te amo, nada mudou; te amo nada, mudou.

Não à toa a peleja para que ela ocupe seu devido lugar é árdua.

Pois bem, a aula começa. A professora expõe a dita cuja na lousa.

Pedro, aluno mais participativo da classe, antecipa-se:

— A única coisa que sei é que em alguns casos ela é proibida, em outros é obrigatória e há situações em que ela é facultativa.

— Muito bem, Pedro! Vamos começar pelos casos proibidos: não se usa vírgula para separar o sujeito do predicado.

— É… Pelo visto, a gente vai ter que entender essa história de sujeito e predicado.

— Certamente, Pedro. Mas o desafio não para por aí. Também não se usa vírgula entre o verbo e seus complementos.

— Ou seja, vou ter que saber identificar objeto direto, objeto indireto…

— Isso mesmo — confirma a professora.

E prossegue:

— A vírgula também não pode situar-se entre uma oração subordinada substantiva e a oração principal. Então já lhe adianto que é preciso saber identificar as orações subordinadas substantivas.

— Só as substantivas, né, professora?

— Não, Pedro, as adjetivas também. Afinal, a vírgula não pode separar a oração principal das orações subordinadas adjetivas restritivas.

Pedro balança a cabeça, faz cara de entendido.

E a professora acrescenta:

— Outro caso proibido é para separar um nome de seu complemento.

Pedro tenta puxar da memória o tal do complemento nominal e acaba se convencendo da necessidade de estudar mais.

— Da mesma forma, a vírgula não pode separar um adjunto adnominal de seu nome — complementa a professora.

— Ufa, pelo menos não vou ter que distinguir complemento nominal de adjunto adnominal.

— Pois é, Pedro, dessa você escapou.

O aluno polêmico (toda turma tem um) levanta o braço:

— Professora, mas tipo… a senhora não vai falar dos casos em que se usa a vírgula?

— Ia entrar nisso agora, Eduardo, nos casos obrigatórios. Vamos lá: usa-se vírgula para separar elementos que exercem a mesma função sintática.

Mas a danação da vírgula não para por aí. A aula se estende:

— A vírgula também é usada para isolar o vocativo, o aposto e outros elementos explicativos. Pessoal, está claro até aqui, ou melhor, estão conseguindo acompanhar?

Silêncio total. Metade da turma com cara de paisagem, a outra metade em estado de desespero.

E a professora continua:

— Usa-se vírgula para: isolar os topônimos seguidos de data, o elemento pleonástico que vem antes do verbo, o adjunto adverbial antecipado, os termos repetidos…

— Minha nossa… São muitas, muitas regras! — queixa-se Eduardo.

— E (ela faz questão de falar) tem mais! Usa-se vírgula para: sinalizar a elipse de um verbo; separar orações coordenadas assindéticas; separar orações coordenadas sindéticas quando não introduzidas pela conjunção “e”; isolar as orações intercaladas, aquelas que interrompem a ordem direta da oração, e as orações subordinadas adjetivas explicativas, as quais se iniciam com um pronome relativo.

E prossegue:

— Ah, e a vírgula também é usada para separar as orações subordinadas adverbiais antepostas à principal, inclusive as reduzidas de infinitivo, de gerúndio e de particípio.

— Acabou, professora?

— Não, Eduardo, ainda há os casos facultativos: a vírgula é opcional após adjuntos adverbiais de curta extensão no início da sentença ou para intercalar esses adjuntos no meio do período. Mas isso tudo é relativo.

E continua:

— Outro caso facultativo é para separar as orações subordinadas adverbiais na ordem direta.

— Estou vendo que vou precisar estudar todos os tipos de orações subordinadas.

— Para nossa sorte, são só três: as substantivas, as adjetivas e as adverbiais.

E complementa:

— Pessoal, a vírgula é facultativa também (embora alguns gramáticos considerem obrigatória) antes da conjunção “e” quando os sujeitos são diferentes.

— Jesus! Não basta ser complicado (os gramáticos ainda divergem)?! — reclama Eduardo.

O menino boceja, olha distante… Mal consegue disfarçar a fadiga. E a professora pergunta:

— Eduardo, você está acompanhando?

— Sim… E já tomei nota de tudo!

— Deixe-me ver — pede a professora, aproximando-se.

De certa forma, o aluno havia feito um registro importante sobre aquela aula. Seu caderno continha a seguinte anotação: “estudar toda a gramática até a próxima prova”.

Sobre a autora…

Veja também: Por quê?

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