Mãe aos 45 do segundo

Aos 45 do segundo

Mãe aos 45 do segundo

Raquel Pivetta

Já beirava os 40 anos quando decidi ter mais um filho. No trabalho e nos lugares por onde passava, ouvia inúmeros “incentivos” ao compartilhar meu desejo de engravidar: “Corajosa, hein?!”, “Começar tudo de novo?!”, “Pensei que já tivesse pendurado as chuteiras”. O pior foi quando me disseram que poderia ser confundida com uma avó. Mas nada do que me diziam me demovia da ideia de ter o segundo filho.

Estava decidida. Devorava todas as dicas sobre como engravidar depois dos 40. Colocava tanto empenho nisso (meu marido que o diga), mas sem resultados à vista. Ano após ano, todo mês trazia a mesma decepção: nenhum sinal de gravidez. Cada teste negativo era uma frustração. Cheguei a pensar que tinha “perdido o bonde” por ter levado tanto tempo para tomar uma decisão. Fui ficando obcecada, incapaz de pensar em qualquer outra coisa.

Depois de um longo período — cinco anos — sem sucesso, tendo enfrentado alguns percalços no caminho, comecei a perder as esperanças. Talvez “perder as esperanças” seja uma expressão forte demais. O que fiz foi prestar atenção à minha volta e perceber o quanto já era feliz. Por que insistir tanto? Olhava para a família que construí, suspirava de tanta alegria por ter aquelas pessoas em minha vida. Sentia-me imensamente grata. Não estou falando de uma gratidão qualquer, dessas que se veem indiscriminadamente espalhadas por aí. Refiro-me a algo profundo, que parece brotar da alma.

A gratidão era tanta que consegui abrir mão da ideia de ter o segundo filho. Não sou de largar mão das coisas, mas decidi seguir o curso natural, confiando em algo maior, além de mim mesma. Cheguei a pedir perdão a Deus por eu ter me deixado consumir por uma obsessão tão intensa.

Os anos se passaram. Minha filha já estava crescida, a casa não tinha mais tantos afazeres. Tudo estava estupidamente organizado. Era uma vida perfeitinha demais, tranquila. E um silêncio esmagador tomava conta dos cômodos da casa. Foi então que o inesperado — tão esperado um dia — se manifestou. E, para virar minha vida de cabeça para baixo, a gravidez aconteceu. Veio Guilherme, um menino que equivale a uma pequena tropa.

Guilherme chora na hora do banho, na hora de comer, na hora de dormir. Fica zangado quando saímos, fica eufórico quando voltamos. Sobe em tudo, cai, se machuca. Revira as roupas das gavetas, tira as panelas dos armários, fuça na geladeira e ainda enfia o dedo na margarina. Quebra meus óculos (que, diga-se de passagem, me custaram os olhos da cara), puxa o laço do avental e sai correndo. No fim das contas, as travessuras desse menino renderiam material para um livro inteiro.

Antes dessa reviravolta, eu já era feliz. Mas ansiava por algo diferente: um novo propósito, mais estímulos ou até mesmo um simples recomeço. Isso só me faz pensar que, enquanto, para alguns, a felicidade é algo que não existe em sua plenitude, para outros é uma coisa difícil de explicar. É como o sol, que ilumina, aquece e nutre, mas também ofusca, queima e arde.

Sobre a autora…

 

Veja também: O colete azul.

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4 respostas

  1. Adorei os trechos “Não estou falando daquela #gratidao que anda estampada em tudo que é lugar por aí. Refiro-me a algo que ela sentia mesmo.” e “Quebra os óculos da mãe (que por sinal lhe custaram os olhos da cara), puxa o laço do avental e sai correndo.”

    1. Olá, Henrique! Obrigada pelo feedback! Confesso que estava meio receosa de fazer a crítica sobre a tal forma de uso da palavra gratidão hoje em dia. Mas a sinceridade prevaleceu rsrs.

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