Tudo para não se atrasar
por Raquel Pivetta
Raquel tinha uns 14 anos quando começou a trabalhar informalmente no mercadinho do primo. O trampo era de boa — ela só trabalhava no turno da manhã. O único problema é que tinha de estar com as portas do mercado abertas às 6h30 para receber o fornecedor de pães.
Pois bem, ela usava o despertador do relógio — naquela época não existia celular. Raquel vinha conseguindo cumprir o horário, até que um dia o bendito relógio ficou sem bateria.
— E agora, mãe, como vou fazer para acordar cedo?
— Não se preocupe, eu te chamo, vai dar tudo certo — disse a mãe com otimismo. Ela era aquele tipo de pessoa espontânea, alegre e estava bem longe de ser uma criatura metódica como a filha. Esta, coitada, nem conseguiu dormir direito. Quando finalmente pegou no sono, ouviu a mãe chamar:
— Vamos, Raquel, levanta! O dia já está raiando!
Raquel pulou da cama e foi se aprontar bem ligeiro enquanto sua mãe terminava de fritar uns bolinhos de chuva.
Após tomar café na companhia alegre e agitada de sua mãe, Raquel pegou a bicicleta e partiu para o mercadinho.
Ela não abria o estabelecimento sozinha. A mulher do seu primo costumava chegar a tempo para ajudá-la — a começar pela trabalheira com a porta, que era muito pesada. Mesmo as duas pondo força, era difícil erguer aquela geringonça.
Acontece que Raquel chegou ao local, aguardou… E nada de a companheira de labuta aparecer. Então Raquel resolveu ir chamá-la… Gritou do portão até que ouviu uma resposta:
— Pode ir abrindo, que daqui a pouco eu vou.
Então a menina voltou… Conseguiu força para erguer sozinha aquela porta, sabe-se lá como.
Ficou um bom tempo lá dentro, aguardando a entrega dos pães ou a chegada de alguém. Mas nem um nem outro. Nem a ajudante, nem os pães, nem os clientes, nem ninguém. Nem o sol deu as caras! Ela estava começando a desconfiar que havia algo errado. Mas era imatura para tirar qualquer conclusão (tinha chegado ao mundo havia pouco tempo rsrs). Apenas um mau pressentimento. Foi quando se aproximou um policial, com a cara de poucos amigos, pedindo à menina que se identificasse e fazendo um monte de perguntas:
— O que você está fazendo aqui sozinha?
— Trabalhando! — respondeu Raquel, com certa inocência.
— Você está pinéu? — perguntou o policial, girando o dedo em torno da orelha.
— Quem é o proprietário? Cadê ele?
— É o meu primo. A mulher dele sempre abre comigo, eu até passei lá, mas…
Sem dar tempo para que a garota terminasse a frase, o policial, incrédulo ante a história dela, perguntou:
— Onde mora o seu primo?
— Ali, é aquela casa da esquina, portão branco — Raquel apontou com o dedo.
— Então vamos até lá…
Ao se aproximar do portão, Raquel chamou algumas vezes, até que seu primo apareceu na janela. Então o policial pediu ao rapaz que confirmasse a versão da menina.
Por fim, o primo disse, educadamente:
— Entre, prima, pode dormir no sofá. A propósito, agora que são duas e quinze da madruga.
Raquel, meio constrangida, agarrou o cobertor de lã e ainda dormiu um sono pesado.
Contam por aí que, depois daquele episódio, ela acorda todas as noites para comer bolinhos de chuva e depois volta pra dormir.
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